Ao longo das últimas quatro décadas, várias agências governamentais e a Comissão Europeia têm enfatizado a obrigação dos cientistas na comunicação com os cidadãos. Há muito que a ciência deixou de ser uma atividade exclusiva das instituições de ensino superior. A ciência é, cada vez mais, de todos e para todos.

Liliana Oliveira sicompt
Liliana Oliveira
Profissional de comunicação na Universidade de Aveiro e
Investigadora doutorada no Centro de Estudos Comunicação e Sociedade

A forma privilegiada como as instituições de ensino superior se mobilizam em torno dos desafios coletivos favorece uma reflexão com vários públicos, que permite orientar a investigação para as expetativas, necessidades e prioridades da sociedade, e contribuir para a cultura científica dos cidadãos, tornando o método e os resultados científicos mais compreensíveis.

Comunicar ciência é, por isso, uma responsabilidade social das instituições de ensino superior e dos cientistas e um requisito para uma cidadania plena, ativa, crítica e informada, fundamental no atual contexto de desinformação crescente e quando a ciência é objeto de interesses tão variados.

Durante muitos anos, as instituições de ensino superior e a comunidade científica portuguesas não tiveram as condições sociais, políticas, económicas e institucionais desejáveis para poder estabelecer esta relação de proximidade com a sociedade. O sistema científico desenvolveu-se tarde e o investimento público em recursos humanos e na ciência foi relativamente baixo até aos anos 90. Nas últimas duas décadas e meia, verificou-se, no entanto, uma recuperação notável com a criação de várias estruturas, como a Agência Ciência Viva, e de programas específicos para a área da comunicação de ciência. 

Muito fizeram desde então a comunidade científica, os divulgadores e comunicadores de ciência, os jornalistas de ciência, os ilustradores científicos e os profissionais de comunicação no geral nessa aproximação. O último Eurobarómetro realizado em 2021 mostra o resultado desse trabalho. O nosso interesse pela ciência cresceu acentuadamente, a nossa literacia científica melhorou consideravelmente e mantemos uma elevada confiança na ciência para resolver os grandes problemas da nossa sociedade.

Mas há, ainda, trabalho a fazer. O mesmo inquérito mostra que para metade dos portugueses inquiridos os cientistas ainda passam pouco tempo a explicar o seu trabalho aos cidadãos. Efetivamente, alguns estudos mostram que a comunidade científica está mais motivada para a comunicação de ciência, mas continua a enfrentar algumas dificuldades na concretização desta missão. 

O seu enorme potencial para aproximar a ciência e a sociedade é assombrado por constrangimentos vários. Faltam ainda estruturas e mecanismos institucionais que os apoiem na conceção e implementação de estratégias de comunicação, os recursos financeiros continuam a ser limitados e não existe ainda um sistema de incentivos que premeie o esforço e o tempo investidos nesta componente, com impacto direto na progressão na carreira.

É necessária uma mudança na cultura e na política das instituições. Os profissionais de comunicação serão parceiros relevantes na formação e capacitação dos cientistas e no desenho e na concretização de oportunidades de interação com os cidadãos, mas é fundamental ainda que se apostem em medidas que contribuam para a profissionalização da comunicação de ciência no ensino superior e para o reconhecimento daqueles que se dedicam a esta área.  O Congresso SciComPT 2022 será com certeza uma excelente oportunidade para aprofundar essa reflexão.

*Artigo publicado originalmente no jornal Açoriano Oriental no dia 4 de maio de 2022