
Editora das secções de Ciência e do Azul do jornal Público
O jornalismo de ciência fez um longo caminho nas últimas décadas em Portugal. Passámos de uma situação em que apenas um ou outro jornalista se interessava por assuntos de ciência para uma pequena família dedicada à cobertura do mundo da investigação científica. Ainda que já se tenha andado bastante para aqui chegar, nem tudo é perfeito e o caminho pela frente adivinha-se difícil.
Nos últimos anos, o número de jornalistas de ciência no país a trabalhar de forma regular nas questões científicas, em vários meios de comunicação social, tem rondado uma dezena. O lado bom é que já existe uma pequena família; o lado menos bom é que ainda é muito pequena.
Na maior parte dos casos, os media não têm um único jornalista de ciência, pelo que estes temas não são presença assídua nas notícias (a grande excepção foi a pandemia da covid-19). E, quando há jornalistas de ciência, costumam estar integrados em secções mais genéricas e sozinhos na sua especialização jornalística, sem outros pares da mesma área com quem trocar ideias.
A excepção tem sido o jornal Público que, desde a fundação (1990), criou uma secção de Ciência, editada então por José Vítor Malheiros. E sempre manteve uma equipa de jornalistas — ora maior, ora mais pequena. As notícias diárias de ciência fazem assim parte do corpo central do jornal, tal como as secções de política, economia ou desporto, não estando só acantonadas em suplementos semanais.
Coincidindo com os primórdios do Público, a comunidade científica do país conheceu uma grande expansão, que se deveu a mais investimento. Também houve mais contacto de cientistas com outras realidades onde a comunicação de ciência estava bem estabelecida, como os EUA e o Reino Unido.
Decisivo para esta mudança foi Mariano Gago (1948-2015), um ministro da Ciência (1995-2002 e 2005-2011) que tinha uma visão para a ciência e a cultura científica do país e que, como poucos políticos o faziam então, valorizava a divulgação científica ao ponto de criar a Agência Ciência Viva (1996). Era um sinal político de que os cientistas deviam considerar importante comunicarem com a sociedade. Este ambiente de valorização da divulgação científica foi tendo impacto, na comunidade científica, mas também nos media, em particular nos jornais.
Ainda que de forma incipiente nos anos de 1990, os cientistas portugueses começaram a querer mostrar a ciência que faziam. E os jornais procuravam notícias diárias da ciência portuguesa e do resto do mundo – o Diário de Notícias criou por essa altura uma secção Ciência, entretanto extinta. Os dois mundos começaram a encontrar-se mais.
E se a tendência nas redações tem sido para reduzir os jornalistas de ciência, nas instituições científicas ela foi inversa: já procuram ter alguém que faça comunicação de ciência. Se todas o fazem da melhor maneira, e compreendem bem como funcionam os jornais, essa é outra questão. O certo é que os cientistas valorizam mais a divulgação científica do que há três décadas, utilizando vários canais, desde as redes socais até aos media convencionais, procurando-os de forma activa.
Ter nas redacções (mais) jornalistas de ciência é também um sinal de desenvolvimento de uma sociedade, ou não estivesse a ciência presente em tantas vertentes da nossa vida. Não basta ter notícias com (alguma) ciência, é preciso que haja notícias de ciência, porque este é um tipo de jornalismo que nos traz uma outra leitura do mundo em que vivemos. Se esse panorama se adivinha para breve nas redacções portuguesas, sujeitas cada vez mais a restrições orçamentais? Nem por isso.
*Artigo publicado originalmente no jornal Açoriano Oriental no dia 11 de maio de 2022