
Presidente da SciComPt – Rede de Comunicação de Ciência e Tecnologia de Portugal,
Jornalista no Observador
No tempo do “Era uma vez… a vida” os polícias do sistema imunitário destruíam os vírus com cara de vilão, mas, 30 anos depois, os públicos mudaram e a maneira como devemos comunicar com eles também.
Não sei se vos aconteceu (ou aos vossos filhos), mas a série “Era uma vez… a vida” marcou a minha infância (e o meu futuro). O velho de barbas longas e os pequenos bonecos vermelhos a transportar as bolas brancas de oxigénio serão as personagens mais emblemáticas, mas os homenzinhos de jardineiras a sentar bonecos-letra numa cadeia de montagem foram a minha “cábula” interna para os exames de Genética na faculdade.
Quando o coronavírus entrou nas nossas vidas, voltaram a mim as imagens dos vírus com cara de vilão e dos “polícias” do nosso sistema imunitário. As crianças de hoje, porém, sabem que o coronavírus é como uma bola com espigões, nunca terão ouvido falar da minha série de infância e tenho dúvidas que se entusiasmassem como a minha geração com aqueles desenhos animados dos anos 1980.
A informação científica da série pode até não ter mudado muito — pelo menos, os glóbulos vermelhos continuam a transportar o oxigénio e o dióxido de carbono na nossa corrente sanguínea —, mas os públicos mudaram e a maneira como recebem e apreendem as mensagens também. Basta lembrar que há 30 anos via os meus desenhos animados em um de dois canais, normalmente nas manhãs dos fins de semana. E mais não preciso dizer.
A quantidade de desenhos animados, em vários canais, 24 horas por dia, são apenas uma analogia à quantidade de informação que circula diariamente nos meios de comunicação tradicionais, nos novos media e em todas as nossas redes sociais. Quem transmite a informação tem cada vez menos noção de quem a recebe ou se a mensagem chega nas condições que tinha idealizado. Comunicamos muito, umas vezes melhor do que outras, mas será que mesmo os profissionais da comunicação conhecem efetivamente o público com quem comunicam ou se estão a fazer chegar às pessoas a informação que estas procuram?
Estas são perguntas que estão sempre na cabeça de quem tem mensagens importantes para passar aos outros: dos professores nas escolas e dos médicos nos seus gabinetes, mas também dos jornalistas e dos comunicadores de ciência. A minha preocupação, neste momento, é com estes profissionais, classe na qual também me incluo: jornalista e comunicadora de ciência.
Comunicadores de ciência e jornalistas devem reconhecer as dificuldades que enfrentam diariamente, refletir sobre as suas práticas e encontrar soluções que possam servir cada vez melhor os seus públicos. É uma necessidade reconhecida por muitos profissionais: no continente, de onde venho; nos Açores e na Madeira, onde tenho vários colegas; mas também em outros países com os quais estabelecemos redes e parcerias.
Não tivéssemos outros argumentos, a pandemia (e a guerra na Ucrânia) mostraram-nos melhor do que nunca a importância da informação e da boa informação e os riscos da desinformação ou das mensagens que chegam de uma forma deficiente às pessoas.
Juntamo-nos esta semana na ilha de São Miguel, para a 10.ª edição do Congresso de Comunicação de Ciência em Portugal – SciComPt 2022, com uma ideia em mente: “Pára, escuta e age: refletir no passado para construir o futuro”. O nosso congresso anual já esteve em várias cidades do país e este ano veio aos Açores por ser uma região com um importante investimento em ciência e inovação tecnológica e com uma forte ligação à natureza.
Durante três dias estaremos fechados entre paredes, neste processo de reflexão, mas durante o resto do ano podem encontrar-nos nos centros e museus de ciência, nos espaços de educação ambiental ou para as ciências, nas universidades e institutos de investigação, nos jornais e nas redes sociais. Encontramo-nos por lá.
*Artigo publicado originalmente no jornal Açoriano Oriental no dia 11 de maio de 2022