
Professora universitária no Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa
Há pelo menos duas ideias que todos os comunicadores de ciência partilham: “a ciência não está completa enquanto não é comunicada” e “a ciência não é só dos cientistas”. A partir daqui nascem ideias de todas as formas e feitios para levar a ciência a cada vez mais pessoas. Pensar e executar essas ideias é o trabalho dos 160 participantes do congresso de comunicação de ciência reunidos na semana passada em S. Miguel e de tantos outros que acompanharam à distância o congresso anual da Rede SciComPt.
O regresso do SciComPt ao formato presencial não poderia ter sido melhor. Com um pano de fundo deslumbrante, foi o momento de pôr as conversas em dia, de conhecer caras novas e de comprovar o dinamismo da crescente comunidade de comunicadores de ciência em Portugal. Aqui (re)descobrimos que a ciência pode ser comunicada nas escolas, nas instituições científicas, nos centros e museus de ciência, nas ruas, nos jardins, nos jornais, na internet, por escrito, com imagens, com sons, criando momentos para pormos as mãos, a cabeça e o coração na massa, envolvendo-nos nos projetos de investigação e no processo da própria ciência.
Congratularmo-nos com a quantidade e a qualidade das diversas iniciativas de comunicação de ciência em Portugal é importante e foi feito. Mas os participantes sabem que o mais valioso destes congressos é a partilha dos bastidores e a reflexão sobre o trabalho realizado. Comunicar ciência é cada vez mais complexo. Por um lado, porque a digitalização alterou a forma como acedemos à informação e tornou mais difícil distinguir informação credível. Por outro, porque temos cada vez mais consciência de que a informação é apenas uma pequena parte da relação que estabelecemos com a ciência. As emoções, as nossas relações pessoais e a nossa forma de olhar para o mundo são mais importantes na hora de usarmos o conhecimento científico no dia-a-dia. E se assim é, a comunicação de ciência tem desafios que vão muito além da simplificação de conceitos e exige estratégias de longo prazo. Tendo em conta todos os objetivos da própria comunicação de ciência, tal requer uma prática mais reflexiva por parte dos comunicadores e, acima de tudo, um tempo que o frenesim da vida em sociedade nem sempre nos conseguirá dar.
Os previsíveis efeitos das alterações climáticas asseguram-nos que, nos próximos anos, não faltarão desafios à ciência nem à comunicação de ciência. Comunicar ciência passará pelo equilíbrio difícil de dar as respostas de que a sociedade precisa, reconhecendo que a ciência é falível e assente na incerteza.
Mas a comunicação de ciência não é, nem pode ser um fim em si próprio. À comunicação de ciência pede-se que ajude a garantir que a ciência tem lugar na sociedade e que é usada na tomada de decisão para uma sociedade melhor. E uma sociedade só será melhor se for melhor para todos. A comunicação de ciência tem que garantir que ninguém fica para trás e, neste aspeto, ficou claro que ainda temos muito para fazer. O mote deste encontro apelava a que parássemos e ouvíssemos antes de agir. Foi o que fizemos nestes três dias. Será isso que teremos que saber continuar a fazer.
*Artigo publicado originalmente no jornal Açoriano Oriental no dia 18 de maio de 2022