English version here.

Se os investigadores querem que a ciência que fazem chegue à sociedade, não basta trabalharem arduamente no laboratório e publicarem nas melhores revistas científicas. Têm de sair as portas das instituições, usar os gabinetes de comunicação e/ou chegar aos meios de comunicação social. Além disso, nos países de língua portuguesa, têm também de competir com a ciência feita nos países de língua inglesa, como o Reino Unido e Estados Unidos, ou a ciência feita em países de elevado rendimento, como a Alemanha ou França.
Aos jornalistas cabe a missão de identificarem a ciência que é útil para a sua audiência, incluindo aquela que é feita dentro de fronteiras, e ligá-la às necessidades e interesses da população. A língua portuguesa será uma forma de comunicar estes avanços científicos ou desmistificar algumas questões de ciência, mas mesmo assim não chegará a todos os cidadãos. Será preciso adaptar a linguagem, tanto na forma como se diz, como na língua que se usa, que poderá não ser a língua oficial, mas que é a única que determinados públicos-alvo entendem.
Quatro profissionais de países de Língua Oficial Portuguesa expuseram, no Science Journalism Forum 2022, as dificuldades que enfrentam e apresentaram as estratégias que usam para levar a ciência feita dentro de portas à sua audiência.
- Natália Flores é gestora de conteúdo na Agência Bori, uma agência que fornece comunicados de imprensa de investigação feita no Brasil e contactos de investigadores que trabalham no país.
- Adriano Cerqueira é jornalista no “90 segundos de Ciência”, um podcast de ciência feito dentro da academia, mas transmitido numa rádio nacional em Portugal.
- Fredilson Melo é comunicador de ciência e investigador no ITQB NOVA/Portugal, além disso faz animações em crioulo para o público de Cabo Verde – Inxinando.
- Rufino Gujamo é director de Formação e Comunicação em Saúde no Instituto Nacional de Saúde de Moçambique e está habituado a adaptar a linguagem para diferentes audiênci
as.
A sessão foi conduzida por Vera Novais, jornalista de ciência e presidente da SciComPt — Rede de Comunicação de Ciência e Tecnologia de Portugal.
PERGUNTA
- Porque é que os jornalistas reportam mais sobre a ciência feita em outros países, como os Estados Unidos, mesmo que isso não seja o mais relevante para a população local?
DIFICULDADES
- A língua franca da ciência é o inglês. Alguns conceitos são difíceis de traduzir em português e ainda mais difícil de comunicar nos dialetos locais (p. ex. Moçambique tem 10 a 15 dialectoslínguas);
- Em crioulo, asàs palavras vão sendo inventadas à medida que se tornam necessárias, o que torna difícil criar palavras que signifiquem expressões científicas – sobretudo para conseguir comunicar os novos conceitos em pequenos vídeos;
- Cientistas não comunicam a investigação que fazem, teses não são comunicadas à população, nem para fora do país (ex. Cabo Verde);
- Gabinetes de comunicação das universidades e unidades de investigação ainda não estão bem estabelecidos ou fazem mais comunicação institucional do que comunicação de ciência;
- Não há formação em jornalismo de ciência (ou é insuficiente);
- Faltam jornalistas especializados nas redações (menos evidente no Brasil, com cerca de 250 jornalistas de ciência);
- Há locais que são desertos de notícias, a informação não chega a esses locais por via de órgãos de comunicação social profissionais.
SOLUÇÕES
- Animações e/ou vídeos curtos em crioulo (ou outro dialeto local), para a população que não usa a língua portuguesa, sem implicar muitos gastos de internet;
- Rádios regionais podem comunicar conceitos-chave nos dialetos locais (ex. Rádio Moçambique). Também as rádios comunitárias, onde a rádio/TV nacional não chega;
- Podcast sobre projetos desenvolvidos no país, alguns deles podem nunca ter sido retratados nos media (como no programa “90 segundos de ciência” em Portugal);
- Aumentar o espaço/tempo dedicado à ciência nos órgãos de comunicação social;
- Criar formação em jornalismo de ciência e/ou comunicação de ciência, p.ex. em disciplinas integradas nos cursos de Jornalismo ou de Ciências da Comunicação já existentes; formações pontuais para matérias específicas (p. ex. covid-19); workshop e conferências presenciais ou online;
- Implementar prémio de jornalismo de ciência para incentivar a produção de conteúdos de qualidade;
- Promover as universidades como produtoras de conhecimento e as revistas científicas publicadas no país;
- Mostrar como a ciência produzida na academia tem impacto na vida dos cidadãos;
- Descentralizar e promover a ciência feita fora dos grandes centros, das cidades maiores e das universidades mais conhecidas; e os cientistas que trabalham fora dessas grandes universidades;
- Trabalhar com os cientistas de forma a melhorar as competências de comunicação e a aumentar a confiança no contacto com os media;
- Agregar a investigação feita no país num único portal, com comunicados de imprensa em linguagem acessível (em língua portuguesa) e contactos de especialistas do país (tal como faz a Agência Bori no Brasil);
- Levar a ciência para todas as editorias (e não só ciência, ambiente ou saúde) e para os jornalistas não especializados;
- Criar pontes e pontos de contacto em outros países de língua portuguesa.