Pedro Garcia
Pedro Garcia
Comunicador de Ciência, Observatório Astronómico de Santana – Açores

Passaram-se 19 dias desde que a terra voltou a tremer insistentemente nos Açores. Estando no epicentro ou não, o sentimento de inquietação que se propaga por todo o arquipélago é difícil de explicar, até por quem sempre viveu entre o constante tremor das paisagens lávicas.

Nem a ciência, mesmo a feita por cientistas com basalto negro nas veias, nos consegue dar a certeza do que irá acontecer a seguir: apenas as melhores possibilidades e os mais seguros passos a seguir enquanto sentem a terra a tremer connosco.

Mesmo após 2 anos em que a pandemia nos fez sentir a incerteza própria do processo científico e as insuficiências da sua comunicação na luta contra a desinformação, o público açoriano tem confiado na ciência e nos seus comunicadores para algum conforto da sua inquietação sísmico-vulcânica. O último Eurobarómetro diz-nos que esta confiança na ciência e nos seus atores é, na realidade, um traço partilhado pela maioria dos portugueses. Mas é importante que se compreenda que esta confiança não foi gratuita e que precisa ser nutrida.

Nos Açores, esta confiança do público na ciência começou a ser fomentada há quase 30 anos, altura em que a ciência passou a ser central na necessária mudança do paradigma socioeconómico da região. Nesta estratégia de investimento na ciência foi incluída a educação, a divulgação e a comunicação de ciência como armas essenciais para o sucesso da sua implementação, com resultados que já são visíveis: uma rede de centros de ciência, com uma comunicação de proximidade e ações que levam a ciência a todos os açorianos; o surgimento de uma nova geração com formação especializada; e uma população açoriana mais formada, informada e com maior sentido crítico.

É esta mesma população que hoje tem confiança num futuro onde a ciência é ator principal, mas é também uma que exige mais (e melhor) informação, mais participação e envolvimento nos processos de decisão ligados à ciência. Até porque não há ciência sem cidadãos: para o bem ou para o mal, o seu investimento, desenvolvimento e aplicação tem impactos certos em todo o tecido social.

Por isso, a ciência tem de se comunicar e, ao fazê-lo, deixar de acontecer longe dos olhos do público. Já para o fazer com sucesso, tem de conhecer o seu público, o que este pretende saber e como pretende que a ciência afete o seu futuro, definindo o próprio amanhã da ciência. Só assim será possível nutrir esta confiança, que nunca será reforçada numa comunicação de ciência unidirecional: é necessário que os cidadãos sejam ouvidos, que se sintam parte do processo e que sejam, também, agentes da mudança.

E é isso que se pretende fazer nos dias 11, 12 e 13 de maio, durante a 10.ª edição do Congresso de Comunicação de Ciência SciComPt, que acontecerá nos Açores, resultado e marco deste investimento açoriano. O tema deste congresso, “Pára, escuta e age: refletir no passado para construir o futuro”, é o reflexo da capacidade que os profissionais da comunicação de ciência têm tido para enfrentar as limitações com que se deparam, procurando chegar melhor e a mais público, exatamente porque ouviram as pessoas. Se isto for feito, talvez consigamos calmamente prepararmo-nos para o próximo abalo.

* Artigo publicado originalmente no jornal Açoriano Oriental no dia 6 de abril de 2022