
Investigadora no CIUHCT, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Quando falamos de relações entre ciência e sociedade um dos desenvolvimentos mais marcantes na passagem para o século XXI foi o crescente interesse por iniciativas que envolvam o público não especializado na atividade científica. Surgiu, assim, com grande destaque ao longo das últimas duas décadas, um movimento conhecido como Ciência Cidadã.
A ciência cidadã consiste no envolvimento voluntário de cidadãos nas várias etapas do processo científico. Esse envolvimento pode ser feito desde a definição das questões de investigação, até à disseminação dos principais resultados e conclusões, passando pela recolha, interpretação e discussão de resultados.
Ao colaborar nestas várias etapas, os voluntários adquirem novos saberes e competências e uma melhor compreensão do que está por detrás do trabalho científico, contribuindo para aumentar a cultura científica e para a uma investigação mais aberta e colaborativa.
Dadas as potencialidades do envolvimento dos cidadãos na investigação têm surgido, nos últimos anos, inúmeros projetos e iniciativas de ciência cidadã.
A nível internacional plataformas como o Zooniverse ou a EU-Citizen.Science albergam projetos nas mais diversas áreas de conhecimento e nos quais todos podem contribuir. Desde a transcrição de dados recolhidos no passado por mulheres dedicadas à astronomia, até à ajuda na contagem de pinguins, muitas são as hipóteses de colaborar e participar em projetos de investigação.
Em Portugal, apesar da ciência cidadã ter ainda pouca projeção, é sem dúvida uma área em crescimento e com um número cada vez maior de projetos nos quais a sociedade pode ter uma participação ativa. As iniciativas em Portugal são também muito variadas. Incluem, por exemplo, a participação no registo da biodiversidade, a identificação de animais gelatinosos, ovos de raia e tubarão ou resíduos nas praias, a recolha de memórias fotográficas antigas, ou a ajuda na identificação de asteroides. Muitas são as possibilidades de colaboração!
Dado o interesse crescente nesta temática está a ser constituída a Rede Portuguesa de Ciência Cidadã https://www.cienciacidada.pt/ e em breve será criado um portal de divulgação e agregação de projetos e iniciativas nesta área.
Mas embora a ciência cidadã seja muitas vezes referida como uma prática recente, o envolvimento de cidadãos sem formação especializada na ciência está longe de ser um fenómeno novo. Na realidade, a ciência como profissão é um fenómeno relativamente recente. O termo ‘cientista’ surge apenas na primeira metade do século XIX e só décadas mais tarde é que se assiste a uma profissionalização da atividade científica. A história da ciência revela, assim, que há centenas de anos que grupos de pessoas sem formação científica específica fazem observações e registos sobre o mundo natural e a informação recolhida sobre a distribuição de espécies de animais e plantas, ou sobre os fenómenos meteorológicos ou astronómicos, compõem um conjunto de dados que ainda hoje podem ser utilizados na investigação científica.
A ciência cidadã é, pois, uma prática com um longo passado que através do esforço dos nela envolvidos tem, ao longo da história, contribuído para o avanço da ciência e para a aproximação entre ciência e sociedade.
*Artigo publicado originalmente no jornal Açoriano Oriental no dia 20 de abril de 2022